Apesar de não termos recebido resposta por parte da organização, estando assim impossibilitados de levar uma máquina fotográfica melhor e de tirar fotos a partir do fosso, lá partimos nós para mais um Vagos Open Air. Nesta 4a edição, o festival continua a evoluir no que se refere ao cartaz apresentado, havendo já bandas de renome a tocar logo ao 3a concerto de cada dia - isto à custa das bandas nacionais, que este ano ficaram reduzidas a apenas 1 por dia. Mas, antes de passarmos com detalhe aos 13 concertos do Vagos deste ano, há que referir que, se ao nível do cartaz houve evoluções relativamente a anos anteriores, a outros níveis houve problemas que se mantiveram de anos anteriores. Os chuveiros continuaram a ser de água fria e distantes do acampamento, e continua a haver fila para efectuar a troca dos bilhetes comprados previamente por pulseiras quando mesmo ao lado está completamente vazio o local onde se pode comprar bilhete no próprio dia, sem custos adicionais, e receber de imediato bilhete e pulseira, sem fila. Diferente em relação a anos anteriores, mas para pior, estiveram os preços: nesta edição as bebidas passaram de 1 EUR para 1,5 EUR. Também o merchandising foi mais reduzido do que no ano anterior, apesar da disposição das tendas este ano já permitir uma melhor movimentação nessa zona.
DIA 1
E o festival arrancou com uma das bandas históricas nacionais, os Disaffected, que lançaram este ano o seu segundo álbum, "Rebirth", 17 anos depois de "Vast", a bomba de metal progressivo que lhes deu notoriedade internacional na segunda metade dos anos 90. Depois de terem estado cerca de uma década em inactividade, os Disaffected apresentaram ao pouco público ainda presente diversos temas do seu novo álbum, mas incluindo ainda "Vast - the Long Tomorrow", um tema do seu primeiro trabalho.
Continuando numa sonoridade folk, mas agora tendo por base o Gothemburg Melo-Death e com influencias celtas, seguiram-se os Eluveitie. Depois de termos saído um pouco desiludidos do concerto dado há quase 2 meses atrás no Alemanha, na edição de Loreley do Metalfest - não pela falta de qualidade mas simplesmente pela sequência de temas apresentados retirar gradualmente força e interesse ao concerto à medida que se vai avançando no set - e desta vez saímos com a impressão de que a banda está atenta a esse facto e a tentar corrigi-lo. Apesar das alterações em relação às setlists recentes terem sido bastante reduzidas (Bloodstained Ground e The Uprising substituiram Uis Elveti, Thousandfold ou Uxellodunon), desta vez já não ficámos com a impressão de perda de força à medida que o concerto foi avançando. Notou-se também a preocupação da banda quando Chrigel Glanzmann, o vocalista e multi-instrumentista, referiu por diversas vezes que este é um concerto de metal e que queria ver o público a movimentar-se mais como tal. Queremos acreditar que esta nossa impressão tem por base uma intenção de melhoria por parte da banda e não foi apenas obra do acaso ou mera coincidência.
Já com o recinto mais preenchido, mas mesmo assim sem chegar ao nº de assistentes do ano anterior, chegou a vez dos Enslaved, banda que voltou ao nosso país depois de cá terem estado no final do ano passado no Bracara. Apesar desse concerto recente, muito público a assistir e a banda correspondeu positivamente. A setlist foi aproximadamente a mesma, com a adição de algumas músicas como Return to Yggdrasil, As Fire Swept Clean the Earth e Isa. Digna de referência é também a já habitual interpretação de Immigrant Song, um original dos Led Zeppelin, aqui adaptado à sonoridade dos Enslaved e que deu uma outra cor ao concerto para os menos familiarizados com a discografia da banda.
E chega um dos mais esperados concertos deste Vagos, o concerto de Arcturus - banda classificada como sendo de avant-gard metal que voltou a reunir-se em 2011 após terem encerrado actividades em 2007. As expectatívas talvez estivessem irrealisticamente altas - nunca tendo visto a banda ao vivo, o único termo de comparação que tinhamos era o dvd ao vivo Shipwrecked in Oslo, concerto especial dado pela banda em 2006; adicionalmente, a banda sempre teve fama de não conseguir corresponder ao vivo à genialidade que apresenta nos seus trabalhos de estúdio. Assim, o concerto que se seguiu deixou-nos uma sensação agri-doce difícil de explicar, mas da qual a banda pareceu mais vítima do que culpada. O concerto começa com problemas de som durante toda a primeira música, aparentemente toda ela foi tocada apenas com o som de palco, sem que o som para o público estivesse ligado. O problema foi corrigido e o concerto parece começar a ganhar ânimo. Vortex parece algo divertido e por vezes mordaz nos comentários entre músicas. E eis que surge novo problema quando este comenta "we have been asked to cut some songs from the set", anunciando no entanto que uma das músicas que não iriam deixar de tocar seria o tema inicial de La Masquerade Infernale, Master of Disguise. A música no entanto não arranca, por motivos aparentemente técnicos. Enquanto aguardamos, novo comentário de Vortex, algo na linha de "do you want me to tell a joke? i don't know any joke but I can get the drummer from enslaved to come here and tell one". Finalmente, arranca a música, ainda com algum apoio psicológico de um elemento externo (algum elemento dos Enslaved? Não conseguimos perceber) que Vortex perseguiu para fora do palco com um "hello there!?!?". A partir deste momento voltam os problemas técnicos, que desta vez não foram impeditivos mas foram desagradáveis, pois começaram a ouvir-se ruídos no som em todas as restantes músicas - que não foram muitas mais, pois de um momento para o outro, o concerto chegou ao fim, bem mais cedo do que o esperado. Quando ainda teriam 3 temas para tocar, recebem indicação de que apenas poderão tocar 1. Solução? Perguntar ao público qual dos 3 temas preferem ver tocado. A escolha recaiu em "Painting My Horror", acabando o concerto novamente em alta, com um grande tema, mas foi efectivamente o fim do concerto, apesar de alguns tímidos "We want more!" por parte de membros do público.
Depois do estranho concerto de Arcturus - estranho em vários níveis, porque foi estranhamente curto, porque houve problemas estranhos e porque eles próprios têm uma sonoridade estranha para a maior parte das pessoas, seguiu-se a maior enchente do primeiro dia do Festival, que deu as boas vindas aos At The Gates, mais uma banda que se reuniu depois de ter encerrado as suas actividades - desta feita, a separação ocorreu em 1996, tendo a banda reunido em 2007 e realizado concertos esporádicos desde então, sem planos para gravar novos álbuns. Curiosamente, assim como os seus antecessores no festival, também se estavam a estrear em concertos no nosso país. Era visível o agrado do público por finalmente terem a oportunidade de ver a banda e pela prestação em palco, apesar da banda apresentar um set exactamente igual aos dos concertos que tem vindo a dar noutros países e eventos. O crowd-surfing foi uma constante e Tomas Lindberg, vocalista da banda, não se cansou de referir o quão agradado estava com o público e como gostaria de já ter cá vindo tocar no passado.
Chegado ao fim o concerto de At the Gates, ocorreu uma verdadeira debandada para fora do recinto, que ficou reduzido a menos de metade da público para assistir a este concerto especial dos Nasum - esta é uma tournée final da banda, que está a servir de homenagem póstuma ao líder da banda, Mieszko Talarczyk, que morreu em Dezembro de 2004 na sequência dos tsunamis do Índico. A ocupar o seu lugar esteve Keijo Niinimaa, frontman dos Rotten Sound. Os Nasum foram assim a especial sétima banda do 1º dia de festival - que apenas costuma apresentar 6 bandas por dia - e entraram em palco ao som de sirenes para fechar a noite com o seu grindcore. Pelo meio, ainda houve tempo para dedicar um tema a George W. Bush, o que soou algo desfasado no tempo. Juntando a componente visual deste concerto devo ainda dizer que foi estranho ver ao som do grind aqueles efeitos de sombra e luz mais habituais em bandas com sonoridades mais arrastadas ou menos brutais. Foi, no entanto, evidente o agrado do público mais afecto a este tipo de sonoridade.
DIA 2
Novo dia e nova banda portuguesa a abrir, como tem sido todos os anos. Desta feita coube aos Mindlock, banda do Algarve com 17 anos de carreira e 2 álbuns editados, o último deles, Enemy of Silence, data de 2010. Por comparação com o concerto dos seus compatriotas do dia anterior, desta vez encontrámos um público em maior número e mais movimentado, respondendo positivamente aos apelos da banda, principalmente do enérgico vocalista, Carlos Vilhena, bastante emotivo e sempre irrequieto. Muita gente abanava a cabeça, chamava pela banda e chegou mesmo por diversas vezes a ser formado um mosh pit. A banda apresentou-se com um grande à vontade em palco, deu um concerto de grande qualidade e garra e apresentou ainda um tema novo, cujo título ficou perdido na vocalização gutural.
Depois da banda nacional seguiu-se não uma banda espanhola mas talvez a melhor banda de Taiwan da actualidade. Não sabemos se vieram charters para os ver tocar, provavelmente não, mas podemos dizer que esta banda nos surpreendeu pela positiva. Como não investigámos previamente esta banda, não sabiamos muito bem o que iriamos encontrar quando nos deparámos com um vocalista com a cara pintada com uns símbolos orientais e com um instrumento musical que parecia um cruzamento entre um berimbau e um violino, uma baixista com ar frágil (que quase parecia retirada de uns desenhos animados japoneses se não fossem as roupas pretas) e um teclista com uma máscara na cara (o guitarrista não trazia nada de invulgar e o baterista estava escondido atrás da bateria e não o conseguia ver bem a partir da nossa localização - recordo que este ano não tivemos permissão para tirar fotos a partir do fosso). A sonoridade é aproximada de um black/death mais melódico e sinfónico, tendo a banda incorporado nas suas músicas alguns instrumentos tradicionais orientais. O vocalista, Freddy Lim, dirigiu-se ao público em inglês, comentando que "you are insane, drinking beer at this time of day, under this heat" mas logo de seguida trocou traduções de "cheers" em Português e Taiwanês e lá acompanhou o público. Mais tarde revelou estar muito contente por finalmente estar em Portugal, e que para além de "obrigado" que já havia uma palavra portuguesa que não só ele mas todos os habitantes de Taiwan conhecem. A palavra é "Formosa", pois conforme explicou Taiwan foi originalmente descoberta por navegadores portugueses, tendo tido chamada de Ilha Formosa. Depois da baixista sexy e dos brindes com cerveja, o público ficou definitivamente conquistado com este momento de aula de história a apelar à memória dos tempos em que os portugueses andavam por aí a dar novos mundos ao mundo. Clichés e fait divers à parte, esta foi realmente uma prestação que surpreendeu bastante gente que esperava provavelmente apenas mais uma banda de black metal e se depararam com uma banda bastante interessante e com uma sonoridade muito própria.
Seguiu-se uma das bandas mais esperadas por parte do público, os holandeses Textures, banda de metal progressivo com toques de metalcore e groove. Apesar de algumas mudanças no line-up, nos últimos anos, a performance da banda foi irrepreensível, com o seu som poderoso e extremamente técnico a fazer as alegrias dos seus muitos fãs - a avaliar pela quantidade de t-shirts da banda avistadas no meio do público. As alterações rítmicas foram uma constante, momentos mais enérgicos eram substituidos por momentos mais atmosféricos apenas para estes darem novamente lugar a mais saltos e headbanging por parte do público - tendo mesmo sido patrocinada pela banda uma wall of death. Pela nossa parte aproveitámos a segunda metade do concerto para encher o estômago pois não queriamos perder nada dos concertos que se iriam seguir.
E eis que se segue mais uma banda que voltou à actividade recentemente - os Coroner. O trio suiço de thrash metal progressivo separou-se em 1996, tendo voltado a juntar-se 14 anos depois apenas para tocar em concertos, não estando prevista a criação de novas músicas nem edição de novos álbuns de originais. Ron Broder, vocalista e baixista da banda, referiu que esta era a primeira vez que tocava em Portugal e aproveitou ainda para apresentar o 4º elemento da banda, que os tem apoiado nos concertos, o teclista Daniel Stössel. Grande parte do público não estaria familiarizado com esta banda mas pela reacção ficaram bastante agradados com um concerto que decorreu de forma perfeita, qual relógio... suiço. O concerto foi baseado principalmente nos álbuns Grin e Mental Vortex, não tendo sido tocado nenhum tema do primeiro álbum, RIP. Houve ainda direito a um encore, tendo a banda voltado para encerrar a sua actuação com o tema The Invincible.
Continuando no thrash, mas agora com uma sonoridade já não progressiva mas perfeitamente directa, sem rodeios, qual murro no estômago. Este foi uma das principais razões que nos trouxe a este Vagos, a possibilidade de rever os Overkill depois do fantástico concerto que tivemos a oportunidade de os ver dar no Wacken em 2010. O concerto começou com pelo menos meia hora de atraso devido a alguns problemas de som, com constantes trocas de impressões entre o técnico da banda e o técnico do som do palco, e por diversas vezes quando parecia estar tudo ok lá voltava tudo ao mesmo. Quando finalmente as afinações ficaram concluídas, novo problema, levando ao desespero o técnico da banda, visivelmente agastado com a situação, a sua linguagem corporal claramente a berrar pelo início do concerto. E, assim acabou por acontecer, e lá começou aquele que se viria a revelar como o melhor concerto da noite e do festival. Bobby "Blitz" entrou numa das suas habituais corridas para o micro a debitar em alta velocidade Come and Get It, tema de abertura do último álbum da banda, The Electric Age, logo seguido de Bring Me the Night, do anterior Ironbound. De seguida, 2 clássicos: Elimination e Wrecking Crew. Ao longo do concerto foram constantes as trocas entre temas recentes e temas mais antigos, mas mantendo sempre um altíssimo nível ao longo dos cerca de 90 minutos de concerto. Apesar de não ser necessário, pois o público estava constantemente a apoiar e chamar pela banda, Bobby Blitz nunca deixou de chamar pelo público com momentos de grande humor à mistura, com frases como "I can smell you, but i can't hear you!!" ou "When was the last time that you got your asses kicked by an old man?" enquanto gesticulava como um lutador de boxe. Agradado pela reacção, respondeu que "You make me feel like I'm 50 again!". Os temas foram avançando, clássicos atrás de clássicos, tanto antigos como novos - sim, porque os álbums mais recentes da banda têm tido dos melhores que já lançaram, o que não será dizer pouco quando esta é uma banda que já vai em 16 albuns de originais. E eis que mais uma músicas é anunciada: "We drank some beers, some Super Bocks, and broke some heads...", adaptação do refrão do tema que se seguia, Old School, no qual os gritos e hey-hye-heys de D.D.Verni foram acompanhados em simultâneo pela maioria do público, que não era pouco, não fosse esta a maior enchente do festival. E, se a banda esta a ser incansável, o público também não desarmava, com uma verdadeira maré de crowd-surfers sempre a navegar sobre as cabeças até ao momento em que chegavam à zona de rebentação, quando um ou dois seguranças os arrancavam dali para fora na esperança vã de não voltarem a ver as mesmas caras novamente a aparecerem-lhes na crista da onda dentro de 3 ou 4 minutos... Entretanto, a banda sai para voltar para o encore, Bobby volta a falar com o público e, ao achar que a resposta não obteve os decibeis suficientes, pergunta se "Is this Portugal or is this España?". Reacção imediata do público, para seu regozijo: "It works every fucking time!", responde, entre um sorriso. Concluem da forma habitual, com Rotten to the Core seguido do original dos The Subhumans, Fuck You, com o fálico gesticular à mistura. Foram quase 90 minutos sem descanso, em palco e fora dele. Melhor concerto do festival, melhor concerto do ano e dos melhores concertos que vimos, para mais tarde recordar, principalmente quando chegarmos aos 53 anos, idade dessa máquina demolidora que dá pelo nome de Bobby "Blitz" Ellsworth. Pelo meio do concerto houve ainda problemas com as 2 guitarras e um dos micros estava demasiado baixo por momentos, mas foram momentos insignificantes que foram esmagados por um concerto verdadeiramente avassalador. Que não demorem outros 10 anos a voltar cá!
E é chegado o último concerto do festival, o muito aguardado regresso dos Arch Enemy ao nosso país, depois de por cá terem passado em 2009. Obviamente que praticamente todo o enfoque estava colocado na conhecida frontwoman da banda, a bela e enérgica Angela Gossow. O concerto não desiludiu os fãs e terá servido para mostrar que a banda não vive só da sua vocalista, mas parte do público acabou por ir abandonando ao longo do concerto, quer pelo adiantar da hora - em ambos os dias os concertos foram atrasando gradualmente de banda para banda - quer por estarem exaustos devido ao concerto de Overkill. Mesmo assim, ainda ficou uma quantidade bem razoável de público que assim teve oportunidade de ouvir um conjunto de bons temas de death metal metódico muito bem interpretados, com grandes duelos de guitarra entre Michael Ammot e o novo guitarrista, Nick Cordle. Angela Gossow cumpre o seu papel de frontwoman na perfeição, constantemente a puxar pelo público - desta vez com uma nuance, pedindo que, por uma vez, o público não chamasse apenas por ela, mas que muito particularmente hoje chamasse pelo Daniel [Erlandsson], pois o baterista havia partido a mão mas insistiu em vir tocar mesmo com as dores que estava a sentir. O público respondeu positivamente ao apelo, de imediato, e por diversas outras vezes ao longo do concerto. Resta esperar que os restantes elementos da banda não comecem também a partir as respectivas mãos ou outras extremidades do corpo para terem a oportunidade de roubar aplausos e incentivos do público que normalmente são dirigidos única e exclusivamente a Angela Gossow. A banda soube tirar partido dos paineis laterais do palco para passar imagens de apoio ao concerto, como em No Gods, No Masters, onde passaram partes da letra da música; tiveram também momentos em que pareciamos estar a ver Bruce Dickinson ou Rob Halford em palco, pois a dada altura Angela apareceu em palco a empunhar uma bandeira. Um concerto competente e profissional, que merecia ter sido a sorte de não ter calhado depois do melhor concerto do festival.