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Críticas a Álbuns
Crítica a Álbum :: molllust - Mother Universe (2022)
2023-04-27 13:43:57 | Hugo Miguel Delgado

Mother Universe é o terceiro álbum dos molllust, a banda alemã que se apresentou ao mundo em 2012 com Schuld, um álbum que tivemos a oportunidade de avaliar e que nos deixou bastante surpreendidos com a sonoridade apresentada, descrita como "Opera Metal". Em 2015 seguiu-se In Deep Waters, uma pequena revolução em relação ao seu antecessor, ao incluir alguns temas cantados em inglês em vez de alemão, e um ou outro tema mais metal-friendly do que até então - com especial destaque para o tema Voices of the Dead, que esteve por cá em loop durante bastante tempo, e que apresentava uma fórmula mais acessível para os fãs do metal e um refrão que rapidamente nos punha a cantar também em coro.

Sete anos volvidos, eis que nos chega este Mother Universe, lançado em Novembro de 2022, apresentado pela própria banda como uma viagem musical de 74 minutos através do nosso sistema solar, repleta de passagens pelas mais diversas formas do universo do symphonic/opera metal, com momentos íntimos, chamber music, coros épicos e orquestrações sinfónicas, tudo devidamente apimentados com o peso das guitarras e bateria, num total de 11 temas interligados entre si através de breves peças instrumentais, mais um tema de abertura e um tema de encerramento. Parece-vos ambicioso? A nós também!

O álbum arranca com Cosmic Ouverture, uma breve viagem instrumental que combina musica clássica com guitarra e bateria, e vai saltitando por melodias que nos irão aparecer mais à frente, ao longo do álbum. O primeiro astro do sistema solar a ser visitado é, apropriadamente, o Sol, com o tema Sun - Journey of Icarus. Depois de um início em piano, arranca a combinação entre clássico e metal a que a banda nos tem habituado, repleta de pequenos pormenores que nos vão deliciando os ouvidos - com particular destaque para aquele medley em piano ao qual depois se juntam a guitarra eléctrica e os violinos, em diálogos que se aproximam ao que na música clássica poderia ser considerado uma fuga (se as minhas memórias relativamente aos termos de música clássica não me estiverem a falhar). A letra também nos surpreende pela forma como inteligentemente liga o título e subtítulo do tema num único conceito, apresentando os pensamentos de um cantor que sobe até ao estatuto de estrela ("They will love me for each note I sing... So see me glow, I am a star, I am the sun.") apenas para inevitavelmente cair e se perder ("Without caresses and falling dresses, I feel down, down, down. Drugs are my cover, my senses hover through Milky Way’s starry gown"). Também o tema seguinte, Saturn - Human Clockwork nos apresenta uma letra bastante interessante, sobre a tendência que o mundo tem em nos querer tornar todos iguais, como se fossemos robôs sem vontade própria, com Janika Groß e Frank Schumacher a cantar "Keep on working as stoic as a robot" com um tom e ritmo igualmente robotizado, até à eventual revolta nos trazer outra intensidade emotiva e um brilhante final com Janika e Frank a cantarem frases com sentidos opostos de forma sobreposta:

"I am not a robot! | You’re a robot, work!
I create my future. | That’s your future: work!
[...]
Saturn, don’t fool me! | Dreams just fool you."

Um dos pontos altos do álbum chega-nos com o tema seguinte, Venus - Poems of Love, uma belíssima balada que teve direito a um tocante video-clip, de ir às lágrimas. Este tema apadrinhado pela deusa do anor tem o violino e o violoncelo em destaque, para além obviamente da voz de Janika, que nos conta a história da descoberta do amor e posterior afastamento. Um tema simples e curto, mas repleto de sentimento, contando ainda com pequenos pormenores na orquestração que vamos descobrindo a cada nova audição. Earth - Beauty of Diversity é não só uma homenagem à diversidade cultural mas também uma mensagem de esperança por um futuro da humanidade sem ódio, enquanto que na seguinte Mars - The Game is Over, outro dos temas mais marcantes deste trabalho, o deus da guerra nos apresenta uma visão alternativa bem negra ("Soldiers fight and die for delusions of grandeur. Ruthless maniacs lead them, disguised as saviours"). Com o constante som do contrabaixo em tom negro e depressivo, com enorme efeito dramático, Janika vai-nos descrevendo, cantando em tom operático, os efeitos devastadores da guerra, enquanto coros imponentes dão um ar quase de banda sonora de um filme pós-apocalíptico. O sentimento de desespero e de impotência é quase palpável num medley em que se questiona "Will the morning sun shine on our children? Or will our light of life just cease?", e o final apoteótico eleva ainda mais o tema para novos níveis de épico, com as letras (e aquele último acorde!!!) a tentarem deixar uma pequena réstia de esperança para o futuro ("Let’s hope whoever succeeds us will be wiser and see how great life could be without the reign of Mars..."). Apesar dos violinos, contrabaixo e restantes orquestrações e coros se sobreporem aos elementos de metal, este é um tema bastante pesado que quase automaticamente nos leva a fazer headbanging, um brilhante exemplo da capacidade e qualidade de composição desta banda. Segue-se Mercury - The Desert Inside, um belo, ainda que gélido e arrepiante, retrato do nosso mundo actual, vazio por dentro, com o toque humano a ser substituído pelo constante scroll no telemóvel, que nos despeja falsas imagens de felicidade e de amizades virtuais. Moon - Ostracised Companions começa por não nos chamar a atenção, até que de repente nos arrebata com o seu refrão e as reviravoltas das suas melodias, ao passo que Jupiter - When Divine Winds Ra volta a acelerar-nos, com o seu tom entre o épico e o dramático, ritmo por vezes galopante, coros majestosos e berros estridentes. Mais uma vez, parecemos atirados para uma tela de cinema, com a orquestração a parecer a banda sonora de uma perseguição por entre perigos pelo meio de uma floresta. Uranus - The Butterfly and the Spider surge de seguida, em tom mais jovial, até se revelar como uma mordaz crítica ao modo de vida moderno, repleto de egoísmo, consumismo e interesses, olhando apenas para o próprio umbigo, voltando a teatralidade e a intensidade dramática de seguida com Neptune - Wrath of the Sea, com os coros épicos a regressarem em peso e Janika em especial destaque ao interpretar o papel da vingativa filha de Neptuno na sua busca por justiça face à constante poluição dos mares. O crescendo de intensidade e volume dos instrumentos e das vozes tem um efeito impressionante, e os gritos de Janika são surpreendentes, não deixando de ser engraçado observar a forma como ela é representada no booklet neste mesmo tema, como se de uma sereia a projectar a voz se tratasse. O último astro a ser visitado é Pluto - The Raven's Lullaby, que após um arranque calmo e melodioso, nos leva pouco depois para caminhos bem mais negros e pesados, muito próximos do black metal, com guitarras desgarradas e bateria mais acelerada, tentando com esta sonoridade mais agressiva obter uma maior correspondência com a letra da música, que aborda os últimos momentos vividos pelas vítimas inocentes da guerra. O álbum é encerrado com Cosmic Epilogue, que revisita novamente de forma instrumental várias das passagens que nos ficaram na memória, retiradas dos temas anteriores, num breve e último resumo desta épica viagem.

E esta viagem foi efectivamente épica. E dramática. E triste, e alegre, e desoladora, e assustadora. Um turbilhão de emoções que foram tomando conta de nós, alternando de um extremo ao outro de forma caótica ao longo dos temas que, como se estes fossem vários actos ou árias de uma ópera. E, ainda que o álbum não siga propriamente uma narrativa única e linear, acaba por ser ainda assim um álbum conceptual, não só por todo o conceito já apresentado (os astros celestiais e a viagem pelo sistema solar) mas também e principalmente pela forma como os astros foram também utilizados nas letras como forma de referência às divindades que serviram para lhes dar os respectivos nomes, e a partir daí integrados nas mais diferentes letras, sempre com um tema principal em comum: a humanidade. Ou, diria até, a desumanidade. Vaidade, egoísmo, a escravatura moderna, a intolerância para com a diferença, a guerra, a separação, a falta de cultura, a falta de empatia, a falta de comunicação, a desigualdade, a destruição do meio ambiente, a poluição, a morte. Tudo isto é abordado ao longo do álbum. Uma visão negra, real e actual da humanidade. E, estou a dar particular atenção às letras porque neste álbum os molllust optaram por cantar integralmente em inglês, numa decisão surpreendente face aos trabalhos anteriores, mas que terá sido uma decisão acertada, ao dar-nos ainda mais conteúdo para interiorizar. Digno de referência é também o cuidado e profissionalismo com que o fizeram, ao encontrarmos no booklet um especial agradecimento público à pessoa que os ajudou a utilizar a língua inglesa da forma correcta, sendo de elogiar não só a grande capacidade de auto-crítica e de conseguir identificar e assumir as suas próprias lacunas, a vontade de procurar ajuda para fazer as coisas de forma correcta, sem erros, tendo ainda a honestidade de o partilhar publicamente. Pode parecer óbvio e evidente que esta deveria ser sempre a forma de fazer as coisas, mas temos encontrado alguns lançamentos em que tal não acontece, pelo que aqui ficam mais uma vez os parabéns por esta abordagem.

A banda, que se apresentou aqui com várias mudanças desde o seu anterior álbum, continua a ter Janika Groß como o seu principal pilar, não só pelas suas brilhantes vocalizações, que colocam esta banda num campeonato completamente distinto face a qualquer outro projecto descrito como de metal sinfónico, mas também pela mestria que demonstra no piano, muito bem acompanhada de perto pelo guitarrista e tenor Frank Schumacher, com os vários duetos protagonizados pelos dois elementos a figurarem como alguns dos momentos mais cativantes deste trabalho. Os restantes elementos e músicos convidados cumprem os seus papéis com mestria e virtuosismo quanto baste, tanto nos instrumentos mais clássicos como nos "mais pesados", com especial destaque para os violinos e violoncelos, pela forma como deram vida e cor a muitos dos temas. Ao nível da composição, este álbum mantém a sonoridade característica dos molllust, reforçando a base clássica do seu Opera Metal, com os temas a parecerem ter uma maior componente operática e clássica do que no seu antecessor, não só ao nível da composição mas também ao nível da excelente qualidade de produção, que optou por apresentar as guitarras e bateria um pouco mais escondidas e menos agressivas, face ao álbum anterior, com os temas a ganharem mais espaço para respirar e uma maior dimensão. As orquestrações também foram elevadas a um outro nível, com múltiplos momentos a transportarem-nos para o mundo das bandas sonoras cinematográficas, cheias de pormenores e de vida, ao nível do que encontramos em grandes épicos de Hollywood ou até mesmo em velhos clássicos da golden era da Disney. Até as breves Cosmic Promenades que servem de transição entre temas acabam por se tornar familiares e uma parte importante do álbum, fazendo-nos quase esperar por elas a cada passagem.

Este Mother Universe é, portanto, o mais ambicioso lançamento da banda, e também o mais bem conseguido até à data. Um conceito arrojado e arriscado, com muitos temas, com nomes muito longos, e com pequenos temas entre os temas principais, todo um conjunto de opções invulgares mas que acabam por encaixar e funcionar tão bem... como uma orquestra! Até ao nível visual temos de referir que as opções foram praticamente perfeitas, com a capa do álbum e restante booklet a seguirem uma linha simples, sóbria e elegante, com representações alusivas ao mapa celeste que nos enquadram de imediato com o conceito do álbum e mesmo de alguns dos próprios temas. Quanto aos temas, reforçamos o já referido especial destaque para os temas Venus - Poems of Love e Mars - The Game is Over, assim como para os fantásticos trabalhos realizados com os respectivos videoclips, mas sem deixar de referir que este é um álbum que funciona melhor como um todo, ouvido de uma ponta a outra - preferencialmente na sua versão mais longa, em cd, com todas as promenades, permitindo-nos experienciar na íntegra esta viagem celestial. Os fãs de música mais imediata ou directa terão alguma dificuldade em seguir esta opção, mas se o tentarem certamente conseguirão encontrar um ou outro tema do seu agrado. Para os mais resistentes, deixamos um alerta: com a repetição das audições - e este álbum, depois de ultrapassada a barreira inicial, torna-se altamente viciante - correm o sério risco de começar a trautear algumas das muitas passagens memoráveis deste excelente trabalho.

Para os molllust, o nosso agradecimento por este belíssimo Mother Universe. Obrigou-nos a escrever bem mais do que aquilo que estávamos à espera, e sai daqui altamente recomendado com um merecido 95 / 100.




Rating: 95%



Mother Universe - album cover
01Cosmic Ouverture
02Sun - Journey of Icarus incl. Cosmic Promenade
03Saturn - Human Clockwork incl. Cosmic Promenade
04Venus - Poems of Love incl. Cosmic Promenade
05Earth - Beauty of Diversity incl. Cosmic Promenade
06Mars - The Game is Over incl. Cosmic Promenade
07Mercury - The Desert Inside incl. Cosmic Promenade
08Moon - Ostracised Companions incl. Cosmic Promenade
09Jupiter - When Divine Winds Rage incl. Cosmic Promenade
10Uranus - The Butterfly and the Spider incl. Cosmic Promenade
11Neptune - Wrath of the Sea incl. Cosmic Promenade
12Pluto - The Raven's Lullaby
13Cosmic Epilogue
 
Gravado porJoost van den Broek
Gravado emSandlane Recording Facilities
Masterizado porJoost van den Broek and Jos Driessen
Masterizado emSandlane Recording Facilities
 


MOLLLUST (DE)